quinta-feira, outubro 28, 2004

(Dissertação) Bons e Maus Pais - I

Se excluirmos desta abordagem todos os homens que são maus Pais por motivos óbvios (abandono físico dos filhos, maus tratos, etc.), existirão entre os Pais que restam analisar (os ditos Pais normais), os que podem, mesmo assim, serem como que catalogados de Maus Pais?

Estou certo de que, mesmo deixando de fora os casos a que chamo de desvio funcional do laço parental, existem vários Pais que falham de forma contundente a sua missão.

São estes os casos que vamos tentar analisar, começando por enumerar as necessidades de uma criança, aquelas que poderão influenciar de forma decisiva o seu crescimento.

Para além de alimento, de roupa e de educação escolar, todas as crianças necessitam de um acompanhamento equilibrado, num misto de atenção, cuidado e carinho.

Necessitam também (e já o referi no texto Bases da Relação Feliz), de um ambiente estável e bem alicerçado, porque é nesse ambiente que crescem, se desenvolvem, aprendem e tiram lições para a vida.

Provavelmente, este acompanhamento equilibrado será em parte responsável pela sua auto-estima, pela sua confiança e espírito de liderança, pela forma como desenvolvem relações com terceiros e pelo modo como encaram e reagem às adversidades.

Apesar de acreditar que parte destas características possam ser de alguma forma inatas em algumas crianças desde o seu nascimento e, portanto, fruto dos genes que transportam dentro de si, também acredito que todas elas podem ser trabalhadas e desenvolvidas nas crianças que não as possuem logo à partida.

E é precisamente aqui que reside a grande missão dos Pais – ajudar os filhos a superar dificuldades e inaptidões, não os substituindo nesses desafios, mas sim preparando-os para serem seres capazes e autónomos na forma de os enfrentar.

Neste aspecto, podemos tipificar os Pais em três grupos: os Pais que não sabem ensinar e preparar, os Pais que acham que ensinar e preparar é executar todo o tipo de desafios pelos filhos e, portanto, em sua substituição e os Pais que ensinam e preparam através da orientação, dando liberdade de acção de forma equilibrada à criança.

No primeiro grupo, estão aqueles Pais cujo tipo de vida egocentrista os torna de tal forma egoístas que não lhes permite investir tempo algum no acompanhamento dos filhos e, como tal, substituem a sua atenção recorrendo às baby siters, aos Avós, às televisões, aos filmes, às Play Station e aos Game Boy, de forma constante e recorrente.

Não que eu considere que os chamados jogos de computador sejam prejudiciais às crianças, antes pelo contrário. Estou certo que em termos gerais estimulam o seu desenvolvimento, atenção, destreza e os preparam de forma natural para o futuro que os espera - o das tecnologias de informação.

No entanto, a forma constante e recorrente com que alguns Pais substituem o acompanhamento dos filhos por terceiros e pelas tecnologias existentes é que deve ser entendida como preocupante, porque reveste uma forma de abandono e de isolamento.

Infelizmente, para estes Pais tudo parece servir para os manter calados, ocupados, distraídos e sossegados, permitindo assim que lhes sobre tempo para o que têm de mais importante - não os seus filhos, mas antes a sua própria vida.

E nenhum ser humano, quando se torna Pai, deixa de ter vida própria (continua a tê-la e deve mantê-la também). Mas a sua vida própria comporta agora uma outra responsabilidade - a educação e acompanhamento de um filho.

Até determinada idade, o amor dos filhos pelos seus Pais é incondicional e o tipo de Pai que somos não tem influência redutora nesse amor. No entanto, isto não significa que os filhos não sintam esta forma de abandono e que, dia após dia, não sofram com as constantes expectativas defraudadas por não poderem estar mais uma vez com o seu Pai (e estar é estar em comunhão, em partilha).

Mais tarde, quando a criança desenvolver o seu sentido crítico, julgará o Pai que tem e, deste julgamento, nenhum dos Pais está livre.

Acredito que estes Pais não tenham sequer ideia do que se pode passar dentro das cabeças das suas crianças; talvez pensem que são pequenos demais para se aperceberem de tudo o que os rodeia. Mas é precisamente entre os três e os seis anos de idade que as crianças estão mais receptivas a assimilar tudo o que se passa no exterior, à volta do seu mundo que, ao contrário de ser pequeno, cresce exponencialmente de dia para dia.

Estas crianças ficam por vezes com marcas de insegurança e várias carências de ordem afectiva que lhes prejudicará a construção de relações futuras.

Se no Pai que vive com a mãe dos filhos, estas falhas podem ser atenuadas (e apenas atenuadas) pela presença da progenitora, no caso do Pai divorciado, a proporção dos danos é bastante superior, porquanto o Pai negligencia de forma sistemática o único tempo que tem para acompanhar os filhos.

É assumido que a vida do Pai divorciado deve mudar radicalmente nos dias em que priva com os filhos. Não existe a Mãe dos filhos para o substituir em nenhuma tarefa, pelo que as suas prioridades devem estar focalizadas para o maior bem que possui - as suas crianças.

Não obstante esta Verdade, este tipo de Pais entrega a maior parte dessas horas aos Avós e às baby siters para não ter que alterar a sua forma egoísta de estar na vida.

Normalmente, os jantares com os amigos têm prioridade, os jogos de futebol também, as reuniões de trabalho idem e por aí fora, numa lógica totalmente inconsciente onde a importância da criança não tem o papel central que deveria ter.

No segundo grupo, estão aqueles Pais que dedicam tempo e atenção ao acompanhamento dos filhos, mas que o fazem, na maioria das vezes, de forma errada. Infelizmente, não basta dedicar tempo e acompanhar – é necessário saber como o fazer.

O Pai que investe tempo a ensinar um filho e lhe dedica a frase “caramba, nunca fazes isto direito” sempre que assiste a um erro, poderá estar a fazer ainda pior do que o Pai tipificado no primeiro grupo – é que por vezes mais vale um filho não ensinado e preparado (porque pode sempre ter uma grande capacidade de auto-didatismo e elevados graus de confiança adquiridos por outro meio), do que um filho com traumas e sequelas impeditivas, fruto da linguagem negativa dos Pais (não é assim tão raro vermos crianças e adolescentes assumirem para si próprios que nunca fazem nada direito ou que não vão conseguir superar os desafios com os quais se irão deparar).

Muitos Pais cedem à tentação de "fazer pelos filhos", substituindo-os nas mais diversas tarefas, impedindo-os assim de aprender errando mas, ao mesmo tempo, praticando e aperfeiçoando o resultado.

Os Pais devem orientar os filhos, deixando a experiência prática para eles. E essa experiência trará resultados por diversas fases: desde o resultado insuficiente até ao resultado satisfatório. Nesse entretanto, é necessário acompanhar a criança com diálogos positivos, tais como "está cada vez melhor", em vez de "estás sempre a fazer mal" ou "ainda não chega para ser bom".

Pode residir aqui a diferença entre uma criança construindo confiança e auto-estima e uma outra incapaz de o fazer e, portanto, insegura dos resultados que um dia pode produzir.

No terceiro grupo estão aqueles Pais que perceberam que dedicar tempo e atenção ao acompanhamento dos filhos tem como objectivos dar conhecimento e contribuir para o desenvolvimento, bem como cimentar atitudes e posturas perante situações.

Neste caso, é essencial saber trabalhar o conhecimento, a auto-estima e o grau de auto-confiança da criança ou adolescente, porque estas serão as suas ferramentas base para conquistar e vingar no futuro.

Enquanto que transmitir conhecimento a um filho pressupõe a partilha de um conjunto de informações executada de forma metódica, elevar a auto-estima e cimentar a confiança obriga a dar espaço à experiência individual. E esse espaço deve ser complementado com diálogos positivos, de encorajamento e satisfação.

Integrar um filho em algumas decisões pode também ser relevante para o adquirir de confiança. Perguntar "estou a pensar fazer isto de determinada maneira, o que achas?" pode produzir efeitos muito positivos a médio prazo, mesmo que o Pai tenha de guiar uma resposta não satisfatória do filho ao que pretendia fazer, corrigindo-a para "e se fizessemos antes assim?".

São as pequenas diferenças (de atitude, de linguagem e de margem) no acompanhamento e educação de uma criança que normalmente produzem resultados acima da média.

Pensemos um pouco em tudo isto e sejamos Verdadeiros Pais.

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