terça-feira, março 15, 2005

(Dissertação) O Aqui e Agora

Aqui e agora... presente. Começemos por recordar o que são o passado e o futuro para chegarmos ao que define o presente.

O passado é tudo aquilo que já aconteceu, tudo aquilo que já foi e, portanto, tudo o que está morto. Por já ter acontecido, tornou-se imutável, inalterável.

A parte de nós que lida com o passado é a memória, e a memória não é mais do que o passado acumulado.

O próprio pensamento é baseado no passado. A arte de escrever baseia-se no conhecimento e, por sua vez, este representa tudo o que é conhecido. E o que é conhecido assenta apenas em tudo o que já sabemos e vivemos, no acumulado do passado que guardamos na nossa memória.

Sobre isso, pensamos, tiramos conclusões, levantamos dúvidas, questionamos e escrevemos. E, amanhã, tudo o que escrevemos pode deixar de fazer sentido porque, no entretanto, conhecemos e aprendemos mais ou, pelo menos, estamos capazes de o fazer.

Da mesma forma, quem constrói regras baseia-se no que conhece, ou seja, no passado, para as elaborar. E essas mesmas regras, porque baseadas no passado, podem ter vida curta - não se podem aplicar ao que já passou, porque é passado, e dependem do que aí vem, dos próximos acontecimentos, para continuarem ou para deixarem de fazer sentido.

Não nos deviamos basear em regras - elas são fruto do passado. Cada decisão a ser tomada, tem de ser tomada num determinado momento, fruto das circunstâncias do mesmo. E tem de ser tomada de novo a cada momento, com circunstâncias diferentes. Não há regras para isto - só os ignorantes dependem de respostas feitas por medida para tomar decisões; não precisam de ser inteligentes porque vivem agarrados ao passado.

E é bastante fácil e cómodo viver agarrado ao passado. O novo traz o desconhecido e, por arrasto, a insegurança.

Põe em causa o que sabemos até à data, coloca em perigo o que temos e faz-nos ter medo de perder o que já construimos.

O novo traz-nos o medo e o medo, por vezes, impede-nos de viver. Quem gosta de viver com certezas não está realmente a viver - está apenas agarrado ao que já conhece, ao passado, ao que está de alguma forma seguro.

É por isso que muita gente vive grande parte da vida através da memória, colada ao passado. Guardam em baús tudo o que já foi, tudo o que já morreu e acham que recordar é viver. Vivem das coisas mortas e transportam esse enorme lixo com elas.

Mas recordar é usar todo o passado que constitui a memória, não é viver. Recordar pode fazer parte da vida, tal como sonhar faz, mas não é viver.

Ainda há os que guardam todo o tipo de recordações do passado sem que, no entanto, façam uso delas. Transportam uma enorme quantidade de lixo já morto, sem aplicação alguma no que deverá ser a sua vida.

Têm uma enorme dificuldade em libertar-se do que já passou, do que está morto. Por comparação, podemos imaginar alguém que compra mobília nova, nunca se desfazendo da antiga. Não há como conciliar as duas - é perda de espaço, perda de vida, vida que deveria ser simples, leve e bela.

Quem gosta de viver com certezas não está realmente a viver - está apenas agarrado ao que já conhece, ao passado, ao que está de alguma forma seguro.

Alguns pretendem uma vida programada, algo que lhes dê a certeza de que o futuro pode resultar. E isso, na verdadeira vida não existe.

É necessária muita coragem para viver porque é preciso aceitar o novo, o desconhecido. E, como já referi, o novo e o desconhecido trazem medos e incertezas, pondo em causa o que já temos e o que já assumimos como verdadeiro.

Assim, o passado não existe e o futuro constroí-se momento a momento, no aqui e agora.

A cada momento vivido, o futuro torna-se presente e o presente torna-se passado, não tendo já alguma possibilidade de ser alterado porque já foi usado.

E esta é a verdadeira riqueza do aqui e agora: a capacidade única que detém para mudar o curso dos acontecimentos, para construir o futuro que rapidamente se tornará passado.

Nada se pode mudar no futuro. O futuro é apenas o resultado do que fazemos no aqui e agora.

Adiar para depois, não fazer hoje, não tentar hoje, não dizer hoje, não lutar hoje, dizer que se fará num outro dia tem, ao contrário do que muitos pensam, um impacto enorme e directo no futuro.

O resultado dessas ausências no aqui e agora não adia o futuro que neste preciso momento se torna presente e, pela ausência de qualquer acção, não alterou os factos passados.

Os factos passados persistem e, se forem problemas, continuarão exactamente como dantes - problemas.

E o pensamento, que é baseado no conhecimento do passado, julga no aqui e agora, no presente, pelos actos que conhece.

O aqui e agora é o único momento em que podemos alterar o futuro - não há forma de adiar e pretender ao mesmo tempo obter resultados diferentes.

No aqui e agora não há futuro. É mesmo necessário assimilar que não há futuro. O futuro é antes construído no aqui e agora, nas palavras, nos actos e nas omissões de hoje. Ele é feito com cada momento instantâneo do aqui e agora, tornando-se logo presente.

A vida é o aqui e agora. Na vida é permitido sonhar e pensar no futuro. Mas é no aqui e agora que os nossos sonhos se constroem e que o futuro que pensamos para nós se pode tornar presente.

Viver é ter a capacidade de estar no aqui e agora. Viver não é mais do que estar no aqui e agora - por isso é tão importante falar, dizer, agir, fazer, lutar, agarrar, não adiar, no aqui, agora.

E vocês, onde vivem?