sexta-feira, setembro 24, 2004

(Dissertação) Bases da Relação Feliz

Não acredito em vidas de muitos amores, de muitos romances. Acredito antes nos amores únicos, profundos, nas dedicações a 100%, na grande cumplicidade entre duas partes que se sentem um só, na amizade onde a regra é sempre "estar pelo outro".

Acredito que a camada base no caminho para ser feliz, assenta na construção de uma sólida vida a dois. E talvez seja necessária muita clarividência para encontrar a fórmula para lá chegar.

Palavras como "amizade", "cumplicidade", "honestidade" e "amor", podem parecer fáceis de decifrar, perceber e, como tal, de colocar em prática, mas, infelizmente, não é tão simples como à primeira vista parece.

A Amizade pressupõe termos a capacidade de estar lá pelo outro, independentemente dos atrasos que isso nos possa trazer, ou até de outro tipo de perdas associadas. Pressupõe que somos capazes de dar o melhor de nós, não por nós ou para nós, mas por uma outra pessoa. Ser amigo, na maior parte dos casos, é perder para dar e ganhar por perder.

A Cumplicidade só existe para quem sente que um ser completo faz parte de dois seres juntos. Ser cúmplice é saber que os compartimentos dos nossos sentimentos, pensamentos e vivências quotidianas não são estanques ou fechados ao exterior - são antes depósitos num compartimento bem maior - aquele que serve uma vida plena a dois.

É necessário saber partilhar tudo - sensações, alegrias, medos, frustrações, sonhos, expectativas, desilusões, experiências, pensamentos, amarguras e tristezas.

E partilhá-los não é o mesmo que contá-los - é necessário saber falar e ouvir - e ouvir, não o que por vezes se quer, mas sim o que o outro sente e pensa.

É necessário ser humilde, muito humilde, para que haja capacidade de aceitar o que os outros pensam, porque, por vezes, pensam de forma diferente da nossa, ou sentem as coisas, provavelmente da forma que também as sentimos, mas que não queremos ouvir ou admitir.

É necessário perceber que uma visão diferente não é um ataque, mas apenas uma outra forma de olhar a mesma coisa. E, quem sabe, muitas vezes a verdade não se encontra precisamente no meio de duas opiniões?

Por fim, é também necessário perceber que as opiniões do nosso companheiro podem também conter sensações, medos, frustrações, desilusões e tristezas e que elas serão a base da sua opinião.

Ser cúmplice não tem como finalidade obter aprovações, mas sim manter proximidades e gerar consensos, ganhar confianças e fortalecer alianças.

A Honestidade pressupõe em primeiro lugar termos a capacidade de sermos verdadeiros connosco próprios e, para isso, é necessário que exista em nós a coragem e a clarividência suficientes para que não nos deixemos enganar a nós mesmos.

Depois, o acto de ser honesto com o nosso parceiro já entra no ponto da Cumplicidade, onde a capacidade de partilhar e de ser humilde é decisiva.

Amar, acaba por não ser mais do que, para além de gostar de outro de forma intensa e única (o que pressupõe viver para a felicidade de terceiros), ser também capaz de se ser amigo, honesto e cúmplice.

Viver para alguém e por alguém, quando esse alguém vive para nós e por nós, é a minha definição de amor. Não, não gera dependências, gera antes sintonias, sinergias, alegria, verdade e uma base enorme para se construir uma verdadeira Família.

Gera um lar seguro para os filhos, transmite a paz que eles necessitam para crescerem confiantes e dá-lhes o maior exemplo do que pode ser a vida com amor.

Estou convencido que uma casa assim vale mais do que mil palavras investidas na educação dos filhos.

Hoje, sei que muitas das pessoas que casam não têm ideia das bases que devem construir. E isso explica (e para mim é a maior causa), o insucesso de muitos casamentos, desde os que se mantêm pelos filhos, os que se mantêm por acomodação e os que em definitivo acabam.

Chamo à ausência das características que enumerei e descrevi de Egoísmo Adulto.

O Egoísta Adulto quer que o outro o faça feliz. E essa expectativa, podendo ter vários motivos, pode ser resumida num único e perfeitamente válido para a maior parte dos casos: porque acha que merece.

Mas o Amor, o verdadeiro Amor, assenta numa vontade completamente diferente e oposta: a de querer fazer outra pessoa feliz e ser feliz por isso mesmo. E quando o amor é verdadeiro existe reciprocidade nas vontades e resultado idêntico na satisfação final.

Falei da Amizade, da Cumplicidade, da Honestidade e do Amor, mas não falei ainda de algo comum a todos eles em termos de necessidade: o Tempo.

Para construir uma relação sólida com amizade, cumplicidade, verdade e amor é necessário tempo, tempo precioso e fundamental.

O quotidiano hoje em dia não é fácil para a maior parte dos casais: o trabalho exige tempo, a casa exige tempo, os filhos exigem tempo, a família exige tempo, os amigos exigem tempo e até nós mesmos exigimos tempo... e o tempo é apenas uma unidade estática, que não se desdobra, não se alarga, não se multiplica, a não ser com o passar para a próxima unidade estática: o próximo dia.

Conheço pessoas que distribuem bem o tempo pelo trabalho, casa, filhos, família e amigos... mas não estarão a estragar o que têm de mais precioso e de mais importante, ou seja, a sua própria relação? É que a nossa relação é a base do resto e sem uma relação forte, corremos o risco de que esse resto se desintegre, como acontece na sequência de um divórcio.

Que sentido faz um bom emprego, uma boa casa, uns lindos filhos, pais e irmãos satisfeitos e amigos para toda a vida, quando a nossa própria vida, aquela que é feita a dois, não existe ou pior ainda, está irremediavelmente morta?

Há quem diga que o que temos de mais importante são os filhos e eu estou de acordo, convicto (porque também o sinto) de que é verdade.

Mas porque são o que de mais importante temos, há quem não os largue, ou seja, quem não abdique de estar com eles todo o tempo que pode.

E aqui reside um importante problema que tento explicar com um exemplo:

Se eu tiver uma flôr rara da qual gosto muito, não posso ficar sempre ao seu lado porque senão ela acabará por morrer sem água. Assim, e de uma forma simples, terei de me ausentar para seu bem, sempre que lhe vou buscar alimento.

E se ela fôr muito importante para mim, provavelmente não quererei depender da companhia das águas para lhe garantir alimento e, então, talvez desvie um pequeno curso de rio para ser auto suficiente.

E se ela fôr única e vital para mim, então investirei muito tempo na construção de um canal sólido entre o rio e o local onde ela está... e assim por diante. E em todo o tempo que vou gastar, não estarei com ela, mas estou a garantir-lhe longevidade de forma segura.

Todas as crianças necessitam de atenção, de carinho, de alimento, de roupa e de educação. Mas necessitam de tudo isso dentro de um ambiente rico em amor, estável e bem alicerçado. É nesse ambiente que crescem, se desenvolvem, aprendem e tiram lições para a vida. Os Pais são o maior exemplo para os filhos, por toda a vida.

Então, e para bem deles, é necessário mesmo antes de estar com eles, de lhes criar o ambiente ideal onde irão passar mais de um quarto da sua vida. E isso custa Tempo.

E isto leva-nos a tudo o que já escrevi sobre a relação a dois. Antes de tudo o resto, ela é a base da vida adulta.

Claro que nenhuma criança morre se não tiver o ambiente ideal - qualquer adulto vive sem um bom emprego, sem uma casa própria, sem amor, sem família ou sem amigos...

Mas dói, não dói? E somos adultos.

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